LEGISLATIVAS 2024

Cerca de 1,2 milhões ou de 700 mil?

por Luís Humberto Teixeira

Vários órgãos de comunicação têm divulgado uma notícia da Lusa – Agência de Notícias de Portugal de 18 de Março que indica a existência de cerca de 1,2 milhões de votos que não serviram para eleger deputados, na esteira de um estudo realizado pelo matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico (IST).

De imediato comecei a receber mensagens a questionar se os valores apresentados estavam correctos e se eu não me tinha enganado ao apontar menos meio milhão do que este estudo. Segue um esclarecimento geral.

Teoria vs Prática

O estudo de Henrique Oliveira está matematicamente correcto. Em 2003, no livro “Reciclemos o sistema eleitoral!”, a minha primeira abordagem ao tema, eu próprio fiz o cálculo dos votos “inúteis” daquela forma.

Diz-nos a teoria que, em todos os círculos, vai haver sempre votos a mais em todos os partidos menos um: aquele que conquista o último mandato disponível. É por isso que as contas do professor do IST apontam para 132 mil votos “desperdiçados” no PS.

Na prática, todavia, os socialistas elegeram representantes em todos os círculos, pelo que quem neles votou alcançou sempre o efeito desejado com esse voto e sentir-se-á representado, o que se traduz num desperdício zero. Em alguns casos, o número de votos foi apenas excessivo face ao mínimo indispensável, mas nenhum votante do PS ficou sem representante.

Verdadeiramente “ignorados” foram os votos dos eleitores em partidos que não obtiveram qualquer mandato no seu círculo. E é aqui que reside a diferença na abordagem e, consequentemente, na contagem de votos “inúteis”.

Assim, não é rigoroso dizer “encontrámos 1.166.263 votos sem representatividade no país, somando os restos de todos os círculos eleitorais analisados (20 correspondentes ao território nacional)”, pois 492.881 desses votos couberam a forças que obtiveram mandatos nos círculos e ficaram, simplesmente, acima do que era matematicamente imprescindível.

Como tal, à data de 19 de Março, e tendo por base os dados provisórios divulgados pela CNE logo após a noite eleitoral, há 673.382 votos válidos que não elegeram representantes.

O princípio da igualdade de voto

No Fórum TSF de 19 de Março, Henrique Oliveira disse, e bem, que há “pessoas no país que têm um voto mais valioso do que outras”, e que isso “não é democrático”. Abaixo deixo um exemplo paradigmático.

Em 2005, no Minho, o CDS-PP elegeu um deputado por Viana do Castelo com 18 mil votos e o BE não elegeu um deputado por Braga com os seus mais de 22 mil votos. A situação repetiu-se em 2011, com o CDS-PP a eleger com 16 mil votos em Viana do Castelo e o BE a não eleger com 20 mil votos em Braga. Círculos vizinhos, pesos completamente distintos. Igualdade de voto entre eles? Nula.

Por isso, é errado apontar o método de Hondt como culpado pela desigualdade do nosso sistema, como tantas vezes se faz. A culpa está no excesso de círculos eleitorais e na inexistência de mecanismos de compensação.

E, como também disse o matemático, seria ainda pior se houvesse círculos uninominais. Tal solução agravaria o desrespeito pelo princípio da igualdade de voto.

Esperemos que o tema sobreviva a esta espuma dos dias pós-eleitorais e que as intenções do PAN, do Livre e da IL de melhoria do sistema, que saíram goradas em 2023, cheguem a bom porto nesta legislatura. Acredito que este desejo será comum a centenas de milhares de portugueses cujo voto não é convertido num mandato.

Capa do livro “Reciclemos o sistema eleitoral!”